(Jo 11,3-7.17.20-27.33b-45)
A chave de leitura deste
belíssimo Evangelho, que expressa de modo dramático o afeto, a humanidade e o
amor de Jesus, são a Sua paixão, morte e ressurreição. A pedido de Marta e
Maria, Jesus sai da região da Galileia e vai a Betânia, que ficava a “uns três
quilômetros” (v. 18) de Jerusalém, consciente de que sobe para dar a vida, seja
para Lázaro, seja para todos os homens, na morte da Cruz. Os próprios
discípulos, ao ouvirem a proposta de Jesus de voltar à Judeia, respondem:
“Mestre, agora há pouco os judeus queriam te apedrejar, e vais de novo para
lá?” (v. 8).
Então, para compreender em
profundidade a narrativa de São João, é preciso recorrer a outro trecho desse
mesmo Evangelho, em que Jesus diz que “ninguém tem maior amor do que aquele que
dá a sua vida por seus amigos” [1]. Em Betânia, Jesus dá a vida a Lázaro e, em
troca, Ele mesmo ganha a morte.
Esse amor de amizade de Cristo manifesta-se de modo enigmático no capítulo 11 do Evangelho de São João. É verdade que Jesus se comove, como se lê nos versículos 33 e 38. No entanto, o verbo grego usado para expressar a Sua reação faz referência a uma comoção por raiva, por ira, como que a indicar o zelo de Deus pelo homem.
Ao mesmo tempo em que se comove,
na síntese do versículo 35, é dito que “Jesus chorou”. Eis uma verdadeira
epifania, uma revelação do coração de Deus que se comove diante da morte do ser
humano. A palavra usada para expressar o choro de Jesus é o grego ἐδάκρυσεν
(lê-se: edákrisen), que, diferentemente do verbo usado para expressar o choro de
Maria e dos judeus (κλαίω; lê-se: klaío), faz referência a um choro comedido e
sereno; a gotas de lágrima (δάκρυ; lê-se: dákri), literalmente.
Isso leva-nos a penetrar no
segredo do sofrimento de Deus. Se Ele chora diante da morte física de seu
amigo, sofre muito mais com a morte das almas que se afastam d’Ele pelo pecado,
tornando-se de fato inimigas de Deus [2]. O Seu choro secreto é algo que nos
deve fazer tomar a firme decisão de consolar o Seu coração, ferido por nossas
culpas.
Com isso, não se está a dizer que
Lázaro não ressuscitou. Esse milagre realmente aconteceu, mas aponta para algo
mais profundo: Jesus quer dar-nos a vida eterna, como diz a Marta: “Eu sou a
ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá”
(v. 25).
No versículo 43, Jesus dirige um
chamado a Lázaro a todos nós: “Lázaro, vem para fora!”. Ao contrário de seu
choro comedido diante da morte, quando Deus nos chama à vida, Ele brada, com
uma forte voz (φωνῇ μεγάλῃ; lê-se: foní megáli). Essa voz quer vencer a nossa
surdez mortífera e chamar-nos a uma conversão mais profunda, na qual nós
abandonamos o pecado não só por causa do inferno, mas porque ele ofende a Deus
e fá-Lo chorar.
Vamos rezar, neste domingo,
pedindo a Deus o dom da contrição perfeita. Muitas vezes, arrependemo-nos de
nossos pecados por conta das penas do inferno ou pela recompensa do Céu. Neste
Evangelho, Jesus convida-nos a vir para fora, sair do pecado para corresponder
ao Seu amor e consolar o Seu coração, parar de ofendê-Lo por causa da lágrima
secreta que Ele derrama a cada pecado que cometemos. Quantas vezes Jesus não
chorou sobre o túmulo de nossa alma morta pelo pecado!
No capítulo seguinte do Evangelho
de São João, Jesus senta-se à mesa com Marta, Maria e Lázaro: é a festa dos
amigos que se sentam à mesa para agradá-Lo. Que beleza é ser amigo de Cristo,
como o foram Marta, Maria e Lázaro! Que alegria é transformar a nossa alma em
Betânia, onde Deus pode sentar-se conosco como com comensais e onde podemos, à
imitação de Maria, ungir os Seus pés com um “bálsamo de nardo puro, de grande
preço” [3]! Determinemo-nos, peçamos a Deus a graça da contrição perfeita e
aproximemo-nos da Eucaristia, como comensais que querem consolar o coração
divino.
Referências
1 Jo 15, 13
2 Cf. Rm 1, 30
3 Jo 12, 3
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